“... teve alguma
dificuldade em segurar-me da maneira correta, da maneira que ela havia lido no
manual científico da boa mãe” (Juliano Pessanha)
Há algum tempo venho
observando e pensando sobre o que chamam de “ser-mãe”. Quando penso no
significado do termo, é praticamente impossível não remeter àquelas figuras que
transformaram a idéia da palavra mãe em concepção real e
concreta: minha própria mãe, minha avó e minha tia. Figuras femininas de peso,
e com o peso da vida a carregar nas costas. Principalmente minha avó, que tinha
que dar conta da casa, do marido, dos filhos e, depois de ardis anos de
trabalho, ainda ajudou (e ajuda) na criação dos netos. A trancos e barrancos,
carregando criança para lá e para cá, fazendo batidas de leite com banana e
biscoitos de queijo para o lanche, dando bons tapas quando era desobedecida ou
quando respondida de modo grosseiro (não que os tapas evitassem a repetição do
comportamento, mas funcionavam no “calor do momento”), ela criou três filhos e
seis netos, sem babás. Observo a minha avó e vejo que todas as suas ações são
naturais, praticamente impensadas, são vivas. Seria isso o que tanto chamam de
“instinto materno”? Sei que existem vários tipos de mãe: a mãe-coruja, a
mãe-radical, a mãe-amiga, a mãe-“gente boa”, a mãe-calma, a mãe-culta, etc.
Pergunto-me: tal instinto
realmente existe ou está extinto? Penso nas coisas que estudei, naquilo em que
acredito, lembro do posicionamento de Heidegger ao dizer que estamos sempre
voltados ao mundo e aos outros, e como tal, a cura (no sentido de cuidado),
seria inerente a nós, seres humanos. Estamos lançados no mundo e somos
atingidos por ele e por aqueles que aí - estão. E exatamente
isso nos torna frágil. Frágeis seres humanos diante da vida que se desvela a
nossa frente. De repente me ocorre que no frenêsi da era pós-moderna não há
mais espaço para fragilidades e para erros. Pensando em momentos de ruptura de
vida, não há momento mais frágil e sensível, mais forte e bonito do que ser
mãe. Lembro de amigas-mães e o quanto é difícil o fardo de não
poder errar! Têm que criar o filho perfeito, com alto QI (se possível um
próximo Stephen Hawkings), sadios (de preferência sucessor do Cielo), educados
e cultos (que aprendam logo três diferentes línguas nos primeiros cinco anos de
vida para não passar perrengue!). As preocupações são tantas para se
criar o “filho perfeito” e o medo de que qualquer coisa saia da curva do
“normal” é tamanha que hoje presenciamos a aparição de um novo tipo de mãe: a
mãe-cartilha.
Nada
pode ser feito, dito ou pensado que não esteja escrito em algum livro
especializado ou revista da área. Todos estão a postos, como um verdadeiro
exército treinado, desde a concepção da criança. Dificuldades não podem ser
reconhecidas, dores não podem ser sentidas. A mãe-cartilha acaba se esquecendo
da simplicidade, de poder rir e chorar, de poder se cansar, vez ou outra, da
árdua experiência do cuidar. O poder-ser é subitamente
sufocado pelo ter-que-ser. O foco no resultado é tamanho que
acabamos nos esquecendo de um fator essencial para construção de qualquer ser
humano: o olhar. O olhar verdadeiro e sincero, que abre espaço para o
surgimento de outro ser humano, e não de um robô que deve fazer tudo de acordo
com os protocolos. Um olhar de reconhecimento e companheirismo verdadeiro, em
que a confiança possa ser construída. Confiança de erros e acertos,
divertimentos e
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